sábado, 1 de maio de 2010

Baseado em fatos não-reais

O problema é que ela não estava nem um pouco preocupada com o que os outros iam pensar. Ela o queria, independentemente até mesmo da vontade dele. Mas passou anos remoendo tudo isso. Prisioneira de seus próprios sentimentos, ela havia escolhido uma forma fácil de viver, só pra não ter que lidar com tudo aquilo. Não tinha amores, só obrigações. Fazia porque tinha que fazer. Fazia por fazer, aliás. E a realidade, como sempre, era discreta, mas inevitável. E aquelas coisas que dormiram por quatros anos inteiros em seu peito haviam acordado, agora mais fortes do que nunca, e só o que ela queria era voltar para aquele mundo onde tudo era muito difícil, mas havia amor. Um amor sofrido, doído, lentamente mortal... assim mesmo, como no fim das contas ela descobriu que gostava. Enfim, ela havia chegado a uma conclusão que dependeu de anos de mesmice: gostava mesmo era do estrago. Errar era intrínseco. E tinha que errar agora. Só errando, só indo contra todas as regras éticas e morais, só desatando todos os nós do passado ela conseguiria aquilo que sempre quis: ele. Demorou para perceber as consequências de uma separação prematura, há cinco anos atrás. Percebeu que pagava por isso todos os dias. Em todos os lugares. Em todas as pessoas que conhecia e que deixava que fossem embora, porque, no fim, só ele lhe bastava. Só ele lhe dava todo aquele carinho exagerado, que ela odiava. Só ele a tratava com todo o cuidado do mundo, fazendo-a se sentir única e frágil, fazendo com que toda aquela força que ela achava que tinha fosse reduzida a uma raiva idiota. Como alguém podia tratá-la assim? Ela, que era tão forte, tão dona de si? Acontece que ela não era dona de si. Ela não era forte. E ele sabia disso. Era o único que sabia disso. O único que enxergava o seu eu mais profundo, a sua fragilidade tão secreta, tão indecifrável. E a tratava como um bem valioso, sempre. E ela odiava ser tratada assim até descobrir que precisava ser tratada assim. Tarde demais. Cinco anos depois, se mantendo forte todos os dias para esconder a sua fragilidade, ela o havia perdido pra sempre. Ele se fora com outra. Estaria cuidando das fragilidades de outra. Fragilidades que a outra, muito provavelmente, não tinha vergonha de mostrar.

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